28 dezembro 2009

Outro conto de Natal...

Encontrei este texto no MDig... Blog excelente diga-se de passagem.

Texto do bom...

Gaste um tempinho:

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Tiãozinho: Sete anos, mendigo com cinco anos de experiência, experiente em bater pernas pelas ruas com ou sem sapatos, hábil na arte de driblar o tráfego caótico do centro de Joinville e tremendamente criativo.


Vinte e quatro de dezembro. Tiãozinho acordou como sempre às sete da manhã. Hoje queria ficar um momento mais brincando com seus dois irmãos: João de 10 anos e Claudinha de seis. Mas sua madrasta arrastou-o com puxões.

Quando abria a torneira da amarelada pia para lavar o rosto, sentiu como se a orelha estivesse sendo rasgada e arrancada pela raiz. A madrasta achava que a cara suja dava mais pena e que as esmolas seriam maiores.

No trajeto até ao centro da cidade, era obrigado literalmente a correr para acompanhar o passo de uma mulher adulta, robusta e de péssimo caráter. A volta para casa era sempre a pior parte, caminhar seis quilômetros com o corpo moído após uma jornada de catorze horas.

Isabel se encarregava de calcular minuciosamente as arrecadações, e atribuir a cota correspondente à cada um dos filhos; na realidade só Claudinha era sua filha, motivo pelo qual desfrutava de alguns pequenos privilégios. Estabelecido o montante, era fácil estabelecer o castigo por não cumpri-lo.

Na véspera de natal, o horário de sua mendicância estendia-se por várias horas a mais do que o habitual. Isabel também fazia previamente o cálculo das esmolas pelas horas extras.

Enquanto caminhava entre a multidão entrando e saindo de lojas, pensava nos homens fantasiados de vermelho que encontrava à cada passo. Sabia que eram cidadãos comuns contratados para chamar a atenção dos possíveis clientes; mas a existência real de um verdadeiro Papai Noel, significava para Tiãozinho um verdadeiro labirinto.

Não podia compreender a existência de um personagem teoricamente bom e praticamente cruel. Estava convencido de que Papai Noel era um invento dos ricos, para os ricos.

O dia não foi bom; muita chuva e pouca gente generosa. Tiãozinho tinha fome, mas não era possível gastar as moedas da cota estabelecida por Isabel.

Quando conseguia algum superávit com as esmolas, o menino guardava as moedas a mais no bolso esquerdo; as do direito eram para entregá-las à madrasta. Nunca teve muita sobra, o dinheiro que conseguia a mais, mal dava para saciar a fome duas ou três vezes à semana.

Quando anoiteceu, o menino estava esgotado. Não era possível regressar para casa, isso significaria uma consabida surra, ademais o jejum obrigatório. O sistema estabelecido era simples: Isabel contava duas vezes o dinheiro, se estava de acordo a suas expectativas, autorizava o garoto a fuçar as panelas e comer. Se faltavam moedas, castigava-o com uma vara e ordenava que fosse para a cama de barriga vazia. Era preferível vagar por um tempo a mais e tentar a sorte entre o turbilhão enlouquecido no leva e traz de presentes, pacotes, álcool e insensibilidade.

Deteve-se em frente a uma imensa vidraça e contemplou assombrado um senhor gordo e grande que parecia comprar tudo que via pela frente. Pensou que homem precisaria de um caminhão para transportar suas compras até sua casa. Eram tantos os pacotes enfeitados e tantas as notas que o senhor gordo entregava ao caixa, que Tiãozinho mal acreditava no que via. Eram notas com grandes números que o menino só tinha visto na televisão.

Até que o senhor saiu, seguido de vários ajudantes que carregavam tudo o que podiam. Idas e vindas, atividade intensa, ofegavam entre o tumulto. Uma caminhonete repleta de presentes! Teria tantos filhos? A caminhonete se foi.

Tiãozinho ficou absorto e tropeçou numa volumosa caixa: o senhor gordo tinha esquecido um presente. Seria este pacote que tantos sonhos lhe trouxe? Era um presente, mas não tinham lhe presenteado; dizem que Papai Noel não se esquece dos presentes, que os deixa de propósito e a domicílio. Dizem que Papai Noel...

O menino pegou a caixa e correu ao encontro do automóvel, não tinham deixado o presente para ele, e assim não servia. O tráfego lento favorecia, uma quadra e meia de corrida e pronto. O senhor gordo esperava impaciente a mudança de cor do semáforo quando o menino bateu na sua janela. Não prestou atenção pensando que o garoto só queria uma esmola. Tiãozinho parou na frente do automóvel mostrando a caixa que já pesava muito. Então o senhor recebeu o pacote, agradeceu com um rosnado e partiu sem dizer mais nada.

Tiãozinho empreendeu cabisbaixo o caminho para casa. Estava resignado. Não teria presente, não tinha completado a cota de esmola, não teria jantar e as surras não enchem o estômago. Pensou em como desviar-se das "varadas" da madrasta; pensou em seu pai, bêbado como um gambá, falando besteiras; em seus irmãos jantando e dormindo.

De repente alguém se deteve em frente a ele, era um senhor gordo, mas outro. Este usava aquela fantasia vermelha e branca, linda barba, bochecha rosada e um doce olhar. O senhor buscou em seu bolso e depois estendeu a mão sorridente, entregou um pirulito desses que têm chiclete dentro, acariciou a cabeça do menino e desapareceu na escuridão.

Quando Tiãozinho saiu de seu assombro, prosseguiu a caminhada lentamente, despreocupado. Pôs o pirulito no bolso esquerdo e decidiu que o desfrutaria quando os demais dormissem.

Abriu a porta trêmulo e entrou devagar, cabeça baixa. Quando levantou o olhar ficou perplexo; a mesa estava posta, Isabel servia a refeição, papai estava sóbrio, todos compartilhavam. E não teve surra, e tinha chocolate e tinha panetone, até toalha rendada tinha! No canto da cozinha, cinco pequenos pacotes de presentes. Tiãozinho saiu ate o quintal, deu um pulo espetacular e soltou um agudo grito ouvido possivelmente até no polo norte:

- Ele existeeeeeeeeeee...

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