SALADIN.
Já que é homem tão sábio, diga-me qual lei,
Qual fé lhe parece ser a melhor?
O judaísmo, o cristianismo ou o islamismo?
NATHAN.
Em tempos idos habitou no leste certo homem
Que de valorosa mão recebeu um anel de infinito valor:
Sua pedra, uma opala que emitia sempre cambiante matiz
E tinha, além disso, a virtude secreta de tornar seu possuidor
Agradável a Deus e os homens;
Diante disso e dessa persuasão ele passou a usá-lo.
Não será estranho saber que o homem do oriente não o tenha tirado do dedo jamais,
E tenha tomado providências para que o anel permanecesse entre seus descendentes como herança perpétua.
Dessa forma ele o deixou para o MAIS AMADO dentre os seus filhos,
Ordenando que esse legasse por sua vez o anel
Ao MAIS QUERIDO entre seus próprios filhos
E que, não importando a ordem do nascimento,
O FILHO FAVORITO, pela virtude suficiente do anel,
Permanecesse sempre o senhor da casa.
Está ouvindo, sultão?
SALADIN.
Estou ouvindo, prossiga.
NATHAN.
Passando de um filho a outro,
O anel chegou finalmente a certo pai
Que tinha três filhos, todos igualmente obedientes,
E que ele não tinha como deixar de amar igualmente.
Às vezes parecia ser este, às vezes esse, às vezes aquele –
segundo cada um recebia, a sua vez, as prodigalidades do seu coração – mais digno do anel,
O qual, com bem-intencionada fraqueza, o pai prometeu, em particular, a cada um.
Assim as coisas seguiram por um tempo,
Mas com a proximidade da morte o velho pai viu-se embaraçado.
Desapontar dois filhos que confiavam na sua promessa ele não podia suportar; quê fazer?
Manda chamar secretamente um joalheiro, do qual,
A partir do modelo do anel verdadeiro, encomenda dois outros,
Ordenando que não poupe esforços ou recursos a fim de fazê-los em tudo idênticos,
Inteiramente idênticos, ao verdadeiro.
O artista conseguiu: os anéis foram trazidos e nem mesmo o olhar do pai
Foi capaz de distinguir qual havia sido o modelo.
Cheio de alegria ele chama seus filhos,
Sai com cada um em particular, a cada um concede sua benção e seu anel, e morre. Está ouvindo?
SALADIN.
Estou, estou, termine a história.
Falta muito?
NATHAN.
Já terminou, sultão.
Porque o que segue pode ser adivinhado sem dificuldade.
Mal é morto o pai, cada um aparece com seu anel
Afirmando ser o senhor da casa.
Surgem intriga, discussão, conflito – tudo inútil,
Porque o verdadeiro anel não podia ser mais distinguido entre os outros
Do que, hoje em dia, pode ser discernida entre as outras qual é a verdadeira fé.
SALADIN.
Mas como? Essa é sua resposta à minha pergunta?
NATHAN.
Não, mas serve como meu pedido de desculpas.
Não consigo decidir entre os anéis que o pai mandou expressamente fazer
Para que fossem indistinguíveis um do outro.
SALADIN.
Os anéis – não me venha com brincadeiras!
É evidente que as religiões que nomeei podem ser distinguidas umas das outras
Mesmo em coisas como vestimenta, comida e bebida.
NATHAN.
Mas não o que baste como prova irrefutável.
Não são todas fundamentadas na história, tradicional ou escrita?
A história deve ser recebida na confiança, não é?
Em quem deveríamos confiar?
No nosso próprio povo, por certo, nos homems cujo sangue somos nós neles,
Que desde a infância nos dão provas de amor,
Que nunca nos enganaram, a não ser quando nos era mais benéfico sermos enganados.
Como posso crer menos nos meus antepassados do que você nos seus?
Como posso pedir de você que duvide dos seus antepassados para que os meus recebam o louvor da verdade?
É o mesmo com os cristãos.
SALADIN.
Pelo Deus vivo, o homem está certo.
Devo calar.
NATHAN.
Voltando aos anéis, como eu disse, os filhos reclamaram.
Cada um jurou ao juiz ter recebido seu anel diretamente das mãos do pai, como era de fato o caso,
Depois de ter obtido há muito tempo a promessa do pai de que um dia o anel seria seu, como era também o caso.
O pai, garantiu cada um, não poderia ter agido com falsidade com ele;
Antes de suspeitar de tal pai, por mais que estivesse disposto a julgar com caridade seus irmãos, estaria pronto a acusá-los de traiçoeira falsificação.
SALADIN.
Ah, e o juiz, quero saber o que você vai fazer o juiz dizer.
Vamos, prossiga.
NATHAN.
O juiz disse, Sem chamar o pai diante da minha tribuna
Não tenho como proferir a sentença.
Devo dispor-me a resolver enigmas? Devo esperar que o verdadeiro anel abra os lábios para testemunhar?
Mas esperem – vocês afirmam que o anel verdadeiro
Tem o poder secreto de fazer seu possuidor
Amado por Deus e pelos homens. Seja esse o árbitro.
Qual de vocês, irmãos, ama mais os outros dois?
Não respondem?
Esses anéis geradores de amor agem só internamente, não externamente? Cada um de vocês só é capaz de amar a si mesmo?
Enganadores enganados, é o que vocês são.
Nenhum dos anéis é verdadeiro.
O verdadeiro anel talvez tenha se perdido;
A fim de ocultar ou corrigir a sua perda,
O pai de vocês encomendou três para compensar um.
SALADIN.
Ah, perfeito! Perfeito!
NATHAN.
Então, prosseguiu o juiz,
Se aceitam um conselho ao invés de uma sentença,
Eis meu conselho a vocês: tomem as coisas como são.
Cada um de vocês tem um anel que lhe foi dado pelo pai,
E cada um crê que o seu seja o verdadeiro.
É possível que o pai tenha escolhido não mais tolerar a tirania do anel único.
O que é certo é que, por muito amá-los
E por amá-los da mesma forma,
Não lhe era possível contentar-se em favorecer um para que se tornasse opressor de dois.
Sinta-se cada um honrado por essa livre demonstração de afeto, não distorcida pelo preconceito.
Procure cada um rivalizar com seu irmão na demonstração da virtude do anel;
Ao poder dele acrescentem gentileza, benevolência e longanimidade,
bem como entrega interior à divindade.
Se as virtudes do anel continuarem a serem exibidas entre os filhos de seus filhos
Depois de mil anos, compareçam diante desta tribuna;
Alguém maior do que eu tomará assento nela, e ele decidirá.
O judeu Nathan conversa com o muçulmano Saladin na peça do cristão Ephraim Lessing,
Nathan, o Sábio (1779). Lessing compôs o personagem de Nathan tomando por base
seu amigo judeu Moses Mendelssohn (avô do compositor Félix).
Encontrei no site do Paulo Brabo (Salve salve gênio de letras e pincéis)
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