
Achei bem interessante essa reportagem hoje na Folha de São Paulo. Trata do moralismo imbecil dos estadunidenses.
Mas porque colocar aqui... porque não posso deixar de traçar o paralelo com a nossa herança romana de achar que pecados sexuais são piores, assim, em nossas igrejas... corrupção, mentira e falcatruas são perdoáveis... mas vacila na vida sexual pra você ver...
Ah, e pelamordedeus! Não estou fazendo nenhuma apologia à infidelidade ou prostituição... só quero mostrar a demagogia de um e de outro.
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   GAY TALESE está resfriado. Telefona para o  repórter da Folha, atendendo ao pedido  deixado na secretária eletrônica, e avisa,  raspando a garganta: "Me resfriei e vou  viajar, não posso receber você em casa. Mas posso falar agora sobre o Spitzer, tenho poucos minutos", diz  o escritor de 76 anos, um dos pais do jornalismo literário, autor de reportagens antológicas reunidas nas  coletâneas "Aos Olhos da Multidão" e "Fama e Anonimato" e de obras como "O Reino e o Poder", sobre o  "The New York Times", onde atuou como repórter.
 
Talese diz que a sociedade  americana não está mais ou  menos moralista desde que ele  publicou em 1980 "A Mulher  do Próximo", livro-reportagem  que retrata a transformação sexual e moral dos Estados Unidos entre as décadas de 1960 e  1970. Contudo, diz, a mídia repete tanto as informações sobre escândalos sexuais que faz  que as pessoas se importem  com eles, como no caso do ex-governador de Nova York Eliot  Spitzer, que, casado, renunciou  no último dia 12 após confirmar que era cliente fiel de uma  rede prostituição. Nesse caso,  afirma Talese, o escândalo foi  bem-vindo.  "Não é que ele esteja vivendo  uma vida tão diferente de muitas outras pessoas, tendo uma  prostituta, uma amante. Mas a  diferença é que ele preconizava  uma posição de moralidade, ele  quis fechar bordéis, e aí aparece  que ele era cliente de bordéis. É  bom que ele seja exposto", diz o  escritor.     
 FOLHA - O que mudou no moralismo americano entre "A Mulher do  Próximo" e o escândalo sexual do  governador Eliot Spitzer?
TALESE - O moralismo não mudou. A mídia mudou.  
FOLHA - De que forma?
TALESE - Quando escrevi "A Mulher do Próximo", a mídia não discutia tanto infidelidade, não transformava a vida privada das pessoas em colunas de notícias. John Kennedy foi presidente dos Estados Unidos e teve muitos casos, mas ninguém escrevia sobre sua vida sexual. Havia rumores, mas isso nunca foi conhecido, como foi com Bill Clinton, ou agora, com o governador de Nova York, ou com o senador [Larry] Craig, o homossexual [que renunciou após assediar um homem em banheiro de aeroporto, em 2007]. Na França, quando François Mitterrand foi presidente, não havia discussão sobre seu filho ilegítimo. Mas a mídia americana publica hoje sobre qualquer coisa. 
FOLHA - Os eleitores levam em  conta o comportamento sexual do  candidato?
TALESE - Não acho que faz diferença nenhuma desde que não  se relacione com seu trabalho.  John Kennedy foi um presidente muito bom e tinha amantes. Bob Kennedy, seu irmão,  tinha amantes. Eram casados e  tinham amantes. Lyndon  Johnson tinha amantes. Eisenhower. Todos nossos bons  presidentes tinham amantes. O  presidente Richard Nixon não  tinha amantes e foi um presidente ruim. Esse cara, George  W. Bush, é um presidente ruim.  E não tem amantes. Entende?  Bill Clinton foi muito bom e teve. Os piores presidentes são os  que não tiveram amantes. Nixon foi o pior de todos os tempos. E Bush é o segundo pior. Se  Bush tivesse amantes, talvez  não estaria matando tanta gente no Iraque e tendo essa politica de destruir a vida de tanta  gente.  
FOLHA - O senhor quer dizer que,  se a vida sexual de Bush fosse menos comportada, seu governo seria  melhor?
TALESE - Não digo que seria melhor, mas quando você olha...  Os bons presidentes não eram  pessoas que se "comportavam"  sexualmente. Martin Luther  King tinha muitas amantes.  Matin Luther King! Nós temos  um feriado para ele, ele é um  herói nacional. E tinha muitas  amantes. Muitas. Ele era um  cara mau? Não, não era.  
FOLHA - O desrespeito da privacidade dos políticos é sempre ruim?
TALESE - Depende. Não é bom  ou ruim. O que você quer dizer  com bom ou ruim? Spitzer é  um hipócrita, e é bom que ele  seja exposto como hipócrita.  Não é que ele esteja vivendo  uma vida tão diferente de muitas outras pessoas, tendo uma  prostituta, uma amante. Mas a  diferença é que ele preconizava  uma posição de moralidade, ele  quis fechar bordéis, e aí aparece  que ele era cliente de bordéis. É  bom que ele seja exposto. O outro cara que o substituiu [David  Paterson] diz que não tem um  casamento perfeito. Mas quem  tem? Pelo menos ele trouxe um  pouco de verdade para o governo. Spitzer é um hipócrita.  
FOLHA - Como repórter, hoje em  dia, você publicaria matérias sobre  esse escândalo?
TALESE - Não vou dizer que não  publicaria, porque, se alguém  mais publicar, você tem que publicar. Você não pode fingir que  não viu, porque todo mundo sabe sobre isso, está na televisão,  nos websites. Se você está no  negócio de publicar jornais,  tem que publicar o que é considerado notícia. É que hoje em  dia tudo é notícia, o que não  acontecia 30 anos atrás. É bom  ou ruim? Eu não sei. O que  acontece é que pelo menos força as pessoas a viverem em coerência com o que dizem.  
FOLHA - O sr. avalia mesmo que  nada mudou moralmente na sociedade? "A Mulher do Próximo" mostra, por exemplo, a revista "Playboy" como algo chocante e depois  mais respeitada, mas hoje em dia a  revista é uma instituição americana.
TALESE - Eu mostrava como  aquilo mudou naquela época.  Nós tivemos mudança real nos  anos 1960 e 1970, quando escrevi aquele livro. Pouca coisa  mudou desde então. Exceto  que a mídia fala mais sobre sexo agora porque há mais liberdade para isso. Mas você não vê  pessoas tendo relação sexual  com penetração na TV, não ouve certas palavras na TV. Há  restrição sobre o que você pode  dizer, o que você pode ver. Você  não pode ver homem nu na TV  mostrando o pênis, não pode.  No Brasil também não pode, tenho certeza.  
FOLHA - Mas, se a mídia muda, a  percepção da sociedade não muda  juntamente com ela?
TALESE - Eu acho que a mídia mantém a história viva. Quando Bill Clinton teve uma pequena vida sexual com Monica Lewinsky, isso não tinha nada a ver com o trabalho dele como presidente. Não ocupou muito tempo dele. Mas a mídia fez uma história enorme, e aí as pessoas começam a se importar. Lembra que o papa João Paulo 2º estava visitando [Fidel] Castro naquela época? Ele estava indo para Havana e toda a mídia estava lá para cobrir o papa. Quando houve o rumor de que o presidente Clinton teve esse pequeno caso sexual no Salão Oval, todo mundo deixou Havana. Toda a mídia foi embora. E o papa não tinha com quem falar. Não havia cobertura de Castro encontrando o papa. A mentalidade da mídia está toda voltada para escândalos sexuais. A mídia conduz a história. 
FOLHA - Por quê?
TALESE - Sexo não é complicado. Política é complicado. Na  campanha, veja, as pessoas  não ligam para propostas.  Elas gostam de histórias simples, escandalosas, com o  mais baixo, o menor denominador comum. E a mídia provê isso. A mídia é que conduz a  história.  
FOLHA - Mas por que o governador  renunciou, se as pessoas não se importam tanto assim?
TALESE - A mídia faz as pessoas  se importarem, porque repete,  repete, repete e repete a história. Fica batendo até a morte. A  mídia quer manter a história.  Acho que é bom que Spitizer tenha sido exposto como hipócrita, porque é. Já Bush não é um  hipócrita sexual, mas é hipócrita em várias outras formas.  
FOLHA - Em que formas? 
  TALESE - Ele diz que estamos  tentando levar democracia  para o mundo. E não estamos.  Estamos invadindo o mundo,  forçando eles [outros países] a  se ajustarem a nossa política.  A administração de Bush critica os chineses em direitos  humanos, e nós invadimos os  países de outras pessoas e levamos atrocidades para esses  países. Não estamos em uma  posição em que podemos dizer que somos melhores que  os outros. Somos piores, de  certo modo.